Por que o Brasil lidera mundialmente o número de processos judiciais contra companhias aéreas?
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O Brasil é reconhecido como campeão mundial em processos judiciais de passageiros contra companhias aéreas. A cada 227 passageiros transportados no país, em média, um novo processo é ajuizado, enquanto nos Estados Unidos essa proporção é de apenas uma ação para cada 1,2 milhão de passageiros. Este cenário peculiar levanta uma série de questões: quais são as principais causas dessas ações? Como o Brasil se compara a outros países? O que dizem os tribunais brasileiros? Além disso, quais são os números recentes dessa judicialização e quais os impactos e possíveis soluções em discussão? Abaixo, investigamos cada um desses pontos, com base em dados atualizados e fontes confiáveis, para entender por que o Brasil possui um número tão elevado de processos de passageiros contra empresas aéreas.
Principais causas dos processos
Os passageiros brasileiros têm recorrido frequentemente à Justiça em razão de problemas na prestação de serviços aéreos. Entre as causas mais comuns que motivam essas ações estão:
Atrasos e cancelamentos de voos: são responsáveis por grande parte das queixas. Problemas operacionais, como manutenção não programada de aeronaves, podem gerar longos atrasos ou cancelamentos repentinos. Passageiros enfrentam remarcações inconvenientes, perdas de conexões ou compromissos importantes, o que gera frustração. No estado do Espírito Santo, por exemplo, houve 3.371 processos por atraso e 4.545 por cancelamento de voos apenas em 2024, evidenciando o peso desses fatores.
Overbooking (preterição de embarque): embora praticado mundialmente, o excesso de reservas pode deixar passageiros sem assento. Muitos processam as companhias por danos morais quando são impedidos de embarcar. Em 2024, registraram-se 366 ações por overbooking no ES, e mais casos seguem ocorrendo sempre que não há acordos imediatos. Mesmo havendo opção de reacomodação em outro voo, muitos passageiros buscam indenização se sofrerem atrasos ou constrangimentos com a situação.
Extravio, dano ou furto de bagagem: perder a bagagem ou recebê-la danificada após o voo é uma experiência estressante que leva passageiros aos tribunais. Houve pelo menos 939 ações por extravio de bagagem em 2024 (também no ES, estado que disponibiliza uma boa estatística para estudos, como este). Nesses casos, além dos prejuízos materiais (itens perdidos), busca-se reparação pelo transtorno e aborrecimento – frequentemente sob a forma de danos morais.
Dificuldade de reembolso e assistência inadequada: muitos processos decorrem do descaso no atendimento pós-venda. Passageiros relatam demora ou negativa de reembolso de voos cancelados, dificuldade de contato com o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) e falta de assistência em situações de atraso prolongado (como alimentação, hospedagem e transporte). Esses problemas levam consumidores a alegar descumprimento das obrigações previstas nas normas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). A ineficiência dos canais de atendimento das companhias é apontada pelo Ministério Público Federal como um fator que impulsiona a judicialização – com empresas migrando prematuramente para atendimentos digitais/automáticos e gerando insatisfação generalizada.
Outros casos de falha na qualidade do serviço: incluem práticas abusivas como downgrade de cabine (rebaixar o passageiro de classe, como relatou a atriz Ingrid Guimarães) ou situações de constrangimento a bordo, negativas indevidas de embarque, etc. Embora menos frequentes, casos de tratamento desrespeitoso ou descumprimento de direitos específicos (como transporte de pessoas com deficiência, atrasos excessivos sem justificativa, etc.) também geram processos e repercussão na mídia e nos tribunais.
Em resumo, os motivos operacionais (atrasos, cancelamentos, overbooking, extravio de bagagem) são o estopim da maioria das ações. Eles refletem tanto falhas das empresas aéreas em cumprir horários e cuidar dos clientes, quanto a insistência dos passageiros em buscarem reparação quando seus direitos são violados. No Brasil, diferentemente de outros países, essas situações corriqueiras de viagem acabam quase sempre se desdobrando em pedidos de indenização na Justiça.
Comparação internacional: Brasil x EUA x Europa
A realidade brasileira contrasta fortemente com a de outros países no que tange à judicialização de conflitos aéreos. Dados globais mostram o Brasil muito à frente em número de processos, ao mesmo tempo em que Estados Unidos e países europeus possuem mecanismos distintos de resolução que reduzem a necessidade de acionar o judiciário.
Volume de ações judiciais: Conforme levantamento da IATA/ABEAR, cerca de 98,5%😱 de todas as ações judiciais de passageiros contra companhias aéreas no mundo tramitam no Brasil. Companhias que operam em vários países confirmam essa disparidade: o grupo LATAM revelou que mais de 98% dos processos movidos por seus clientes ocorrem no Brasil, apesar de atuarem em mercados como Chile, EUA e Europa. Para ilustrar, em 2019 o Brasil teve 1 ação para cada 227 passageiros transportados, ao passo que nos EUA essa razão foi de 1 ação por 1,2 milhão de passageiros. No México, a proporção era de 1 processo para quase 27 mil passageiros – ainda muito abaixo da brasileira. Esses números posicionam o Brasil como campeão mundial de judicialização no setor aéreo, numa ordem de grandeza milhares de vezes superior à de países comparáveis.
Formas de resolução de conflitos: Nos Estados Unidos e na Europa, é incomum o passageiro ingressar individualmente com ação judicial por problemas como atraso de voo. Isso porque existem mecanismos alternativos e regulações que tratam desses conflitos:
Na União Europeia, vigora o Regulamento (CE) 261/2004, que estabelece compensações padrão e automáticas em caso de atrasos longos, cancelamentos ou preterição de embarque. Por exemplo, um atraso de mais de 3 horas em voos europeus pode dar direito a €250–€600 de compensação direta, sem necessidade de provar dano, bastando requerer à companhia. Esse sistema objetivo desestimula a via judicial, pois o passageiro consegue reparação por meio administrativo ou com apoio de órgãos reguladores nacionais, ou ainda via agências especializadas em reivindicar essas compensações. Assim, o conflito é resolvido fora dos tribunais – diferentemente do Brasil, onde a lei deixa maior margem para interpretação caso a caso.
Nos EUA, embora não haja um “Regulamento 261”, o setor é altamente regulamentado pelo Departamento de Transportes (DOT). As companhias aéreas americanas seguem contratos de transporte padronizados que limitam obrigações em atrasos e cancelamentos. Não existe indenização obrigatória por atraso/cancelamento doméstico nos EUA (as empresas só são obrigadas a reembolsar o passageiro ou realocá-lo se o voo for cancelado). Em casos de overbooking, há compensações previstas (a empresa deve procurar voluntários ou indenizar quem for barrado, conforme regras da FAA). Problemas de bagagem têm limites de ressarcimento definidos por convenções internacionais. Além disso, o acesso ao Judiciário costuma ser mais oneroso e lento, e muitas disputas de baixo valor acabam sendo resolvidas via acordos diretos ou reclamações administrativas. O DOT recebe reclamações formais de passageiros e pode multar companhias em casos graves, o que muitas vezes dispensa ações individuais. Em suma, nos EUA o passageiro insatisfeito tende a buscar resolução diretamente com a empresa (recebendo vales, reembolso, milhas) ou através de órgãos governamentais, em vez de acionar os tribunais por pequenas indenizações.
Normas de proteção ao consumidor: O Brasil possui um dos mais fortes arcabouços de defesa do consumidor do mundo, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que se aplica às relações de transporte aéreo. Isso garante aos passageiros brasileiros direitos amplos e a possibilidade de pleitear reparação por qualquer falha na prestação do serviço. Por outro lado, tratados internacionais como a Convenção de Montreal (que limita a responsabilidade das aéreas em casos de atrasos e bagagens em voos internacionais) muitas vezes não são aplicados plenamente pela Justiça brasileira. Especialistas apontam que a não aplicação das convenções internacionais em casos de dano moral encoraja a judicialização, pois permite pedidos de indenizações muito acima dos limites internacionais. Em contrapartida, na Europa e EUA as convenções são observadas estritamente, restringindo o potencial de indenizações por danos não materiais. Além disso, na Europa existe uma cultura de ADR (Alternative Dispute Resolution) – mediação e arbitragem – para conflitos de consumo, inclusive transporte aéreo, que também reduz a litigiosidade.
Custos e barreiras para litigar: Uma diferença crucial está no acesso facilitado ao Judiciário no Brasil. Aqui, os Juizados Especiais Cíveis (pequenas causas) permitem ao passageiro entrar com ação sem advogado (para valores até 20 salários mínimos) e sem pagar custas ou honorários em caso de perda. Isso elimina um desincentivo financeiro que existe em outros países. Nos EUA, por exemplo, não há um equivalente abrangente ao Juizado Especial gratuito; mover um processo implica custas iniciais e geralmente a necessidade de advogado, tornando inviável processar por indenizações baixas. Da mesma forma, muitos bilhetes aéreos nos EUA contêm cláusulas contratuais que limitam a jurisdição ou remetem disputas para arbitragem, mecanismos praticamente inexistentes no contexto brasileiro de transporte aéreo de consumidores. Em síntese, processar é mais fácil e mais barato no Brasil, enquanto em outras jurisdições é complicado e custoso, o que naturalmente se reflete no número de ações.
Em tabela comparativa, podemos resumir alguns indicadores entre o Brasil e outros mercados:
Fontes: ABEAR; IATA; ALTA; U.S. DOT.
Obs: A União Europeia não divulga indicador de “ação por passageiro” comparável, pois a maioria dos conflitos é solucionada sem processo judicial. Ainda assim, o contraste de contexto é evidente: enquanto no Brasil há cerca de 8 processos a cada 100 voos operados, na Europa vigoram compensações automáticas e órgãos fiscalizadores que evitam que esses casos inundem o Judiciário.
Em suma, Brasil está na contramão do mundo, nessa matéria. Nos EUA e na Europa existem normas de proteção ao passageiro mais objetivas e sistemas alternativos de resolução de conflitos, resultando em muito menos ações judiciais. Já o Brasil combina um serviço problemático (atrasos, etc.), leis favoráveis ao consumidor e facilidade de acesso à justiça, criando um ambiente propício à explosão de processos.
Jurisprudência brasileira: decisões judiciais e casos emblemáticos
A avalanche de processos de passageiros contra companhias aéreas forçou o Judiciário brasileiro a estabelecer diretrizes sobre o que de fato gera direito a indenização. Nos últimos anos, tribunais superiores fixaram entendimentos importantes, procurando distinguir meros aborrecimentos de danos efetivamente indenizáveis. Um ponto central da jurisprudência envolve o dano moral em atrasos ou cancelamentos de voo. Durante muito tempo, prevaleceu em diversos juizados e tribunais a noção de que certos transtornos, por si sós, já configuravam dano moral – entendimento chamado de dano moral in re ipsa (presumido). Assim, atrasos de algumas horas ou extravio temporário de bagagem frequentemente resultavam em condenações, sem exigência de prova concreta do abalo sofrido pelo passageiro.
Verbas de indenização por dano moral em casos de voo variavam geralmente entre R$ 5 mil e R$ 15 mil, conforme a gravidade e a apreciação de cada juiz, o que estimulou muitos consumidores a buscar o Judiciário. Contudo, a posição dominante no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – corte responsável por uniformizar a interpretação das leis federais – tem evoluído no sentido de exigir comprovação do prejuízo extrapatrimonial em situações rotineiras. Em maio de 2024, a 4ª Turma do STJ reafirmou que o mero atraso ou cancelamento de voo, por si só, não gera automaticamente o dever de indenizar por dano moral.
Nesse julgamento, ficou consignado que desconfortos e aborrecimentos comuns da viagem aérea não bastam para indenização; é necessário demonstrar um sofrimento ou constrangimento significativo, que extrapole a normalidade. No caso analisado, um casal teve o voo cancelado e foi reacomodado em horário próximo (ou pôde reembolsar os bilhetes não usados); o STJ negou a indenização porque a companhia cumpriu seus deveres de assistência e reembolso, não havendo prova de prejuízo maior (como perda de um compromisso ou situação de humilhação). Todos os ministros, exceto o relator, concordaram que dano moral não é presumido nessas hipóteses corriqueiras. Essa decisão do STJ reflete uma tendência de frear a chamada “indústria do dano moral”. Em linha semelhante, durante a pandemia de Covid-19, foi aprovada a Lei 14.034/2020, estabelecendo medidas emergenciais para a aviação civil, a qual exigiu comprovação de prejuízo efetivo para pedidos de dano moral relacionados a cancelamentos devido à pandemia. Ou seja, buscou-se impedir indenizações automáticas em contexto atípico em que as companhias estavam impossibilitadas de operar normalmente.
Apesar disso, a judicialização continuou crescendo mesmo no pós-pandemia, o que demonstra que a cultura do litígio já está enraizada. Casos emblemáticos julgados nos últimos anos ilustram os rumos da jurisprudência. Por exemplo, discutiu-se a validade da cláusula “no-show” – prática de cancelar automaticamente a volta do passageiro que não compareceu ao trecho de ida. O STJ analisou esse tema dentro do contexto de equilíbrio entre a liberdade contratual das aéreas e a proteção do consumidor. Em geral, os tribunais têm sinalizado que tal prática pode ser considerada abusiva se penalizar excessivamente o consumidor, e empresas já foram condenadas a indenizar passageiros que tiveram a passagem de volta cancelada indevidamente. Outro caso frequente é o do extravio de bagagem: a jurisprudência pacífica do STJ entende que gera dano moral indenizável a perda definitiva de bagagem ou devolução com grande atraso, pois viola a expectativa legítima do viajante e pode causar transtornos sérios (falta de pertences pessoais em viagens, etc.).
Nesses casos, os valores de indenização têm girado em torno de R$ 5 a 10 mil, variando conforme a situação (viagem de lazer vs. trabalho, itens perdidos, dias sem a mala, etc.). No tocante às normas internacionais, o Brasil adotou a Convenção de Montreal (1999), que limita a responsabilidade das companhias em voos internacionais (aproximadamente 1.288 Special Drawing Rights [SDR] de Saque por passageiro em casos de extravio de bagagem, por exemplo, o que equivale a cerca de R$ 9 mil). Todavia, os tribunais brasileiros frequentemente permitem que, além dessa indenização material limitada, o passageiro pleiteie dano moral separado, algo não previsto explicitamente na convenção. Assim, é possível no Brasil somar a compensação por danos materiais (objetivamente limitados) e morais (ilimitados). Advogados apontam que ignorarmos, na prática, as normas internacionais das quais o Brasil é signatário – como Montreal – traz insegurança jurídica e estímulo a mais ações, ao passo que aplicar essas normas estritamente reduziria espaço para litígios oportunistas.
Há pressões para que o Judiciário aplique as regras setoriais especiais em vez do CDC de forma absoluta, equilibrando mais a balança. Em suma, a jurisprudência dominante atualmente no Brasil busca um equilíbrio: garantir a proteção do passageiro (reconhecendo danos morais quando há situação de violação grave ou abuso) sem chancelar pedidos indenizatórios desproporcionais para qualquer inconveniente menor. O STJ tem orientado que deve haver razoabilidade: se a companhia cumpriu seus deveres regulamentares (informar o atraso, oferecer reacomodação, assistência e eventual reembolso), só haverá indenização se mesmo assim o passageiro sofreu um dano excepcional. Essa linha, se seguida por juízes de instâncias inferiores, tende a coibir a enxurrada de ações frívolas.
Por outro lado, casos de flagrante desrespeito aos direitos do consumidor – como abandono de passageiro, impedimento injustificado de embarque, tratamento discriminatório ou descaso – continuam recebendo condenações firmes, como forma de pedagogia às empresas para melhorarem os serviços. A mensagem dos tribunais é que nem tanto ao céu, nem tanto à terra: nem toda falha justifica dano moral, mas a empresa aérea também não pode normalizar problemas e ignorar seus deveres esperando que nada aconteça.
Números e estatísticas atualizadas da judicialização (até 2024)
Os dados recentes confirmam a escala alarmante do fenômeno no Brasil, bem como sua evolução nos últimos anos:
Crescimento exponencial: O volume de processos contra companhias aéreas explodiu na última década. Para se ter uma ideia, em 2018 foram propostas cerca de 64 mil ações pelos passageiros; em 2019, esse número saltou para 109 mil ações – um aumento de 70% em apenas um ano. Houve um breve alívio durante 2020, em razão da pandemia (quando menos voos ocorreram), mas a partir de 2021 a curva voltou a subir rapidamente. De 2020 a 2023, o número de processos contra as aéreas aumentou, em média, 60% ao ano. Isso significa mais que dobrar a cada dois anos. Somente em 2023, foram ajuizadas aproximadamente 243 mil ações judiciais de passageiros contra empresas aéreas no Brasil. Para 2024, as projeções apontavam algo em torno de 250 mil novos processos – mantendo patamar similar ou superior ao de 2023. Esses valores confirmam que o Brasil concentra a esmagadora maioria dos litígios desse tipo no mundo.
Participação global e por empresa: Conforme citado, estima-se que 90% a 98,5% de todas as ações judiciais de passageiros aéreos no mundo estejam no Brasil. Grandes companhias sinalizam o mesmo: a Latam Airlines reportou que o Brasil (que representa metade de seus voos) responde por 98% dos processos movidos por clientes de todo o grupo Latam. Ou seja, praticamente todos os litígios contra a empresa ocorrem aqui. Esse dado “fora da curva” demonstra que em outros países os conflitos não chegam ao Judiciário na mesma proporção.
Principais motivos das ações: A maior parte das ações refere-se a atrasos e cancelamentos de voos, normalmente associados a pedidos de indenização por dano moral. Estima-se que cerca de 90% das ações judiciais brasileiras envolvem pedidos de reparação por danos morais sofridos pelos passageiros (seja isoladamente, seja cumulados com danos materiais). No Espírito Santo, em 2024, aproximadamente 53% dos processos trataram de cancelamentos, 39% de atrasos, 6% de extravio de bagagem e 2% de overbooking, proporção que pode variar por região mas indica a dominância dos atrasos/cancelamentos. Esses problemas operacionais costumam vir acompanhados de relatos de falta de assistência adequada ou prejuízos indiretos (perda de eventos, pernoites não previstos, etc.), justificando os pedidos de compensação.
Índices de serviço vs. número de ações: Chama atenção o descompasso entre a qualidade do serviço medida e o volume de processos. Dados da ANAC mostram que, em 2023, 85% dos voos no Brasil aterrissaram no horário previsto e apenas 3% foram cancelados. São índices operacionais razoavelmente positivos. Entretanto, naquele ano houve centenas de milhares de ações judiciais – número incompatível com apenas 3% de cancelamentos. Isso sugere que cada voo problemático gera múltiplos processos. De fato, a ABEAR calculou que existe em média 1 processo judicial a cada 0,52 voo realizado no Brasil, ou seja, cada voo realizado “carrega” estatisticamente duas ações judiciais contra as empresas. Essa métrica impressionante indica que um único incidente (por exemplo, um voo cancelado com 180 passageiros) pode se desdobrar em dezenas de demandas individuais. Já nos EUA, a taxa era de 1 processo a cada 2.585 voos – lá, muitos incidentes nem geram ação.
Valores de indenizações e custos envolvidos: As condenações por danos morais em geral têm girado em valores modestos (de alguns milhares de reais por passageiro). A ABEAR informou que, em média, as companhias pagam cerca de R$ 6.700,00 de indenização por passageiro quando há reconhecimento de dano moral. Outros especialistas estimam a média em torno de R$ 10 mil por ação julgada procedente. Pode haver casos isolados de indenizações maiores (situações de grave violação), mas são exceção. Mesmo com valores individuais relativamente baixos, o custo acumulado é enorme devido à quantidade de ações: o setor aéreo brasileiro gasta mais de R$ 1 bilhão por ano com custas, acordos e pagamentos decorrentes desses processos. Isso representa cerca de R$ 10 a R$ 12 embutidos no custo de cada bilhete aéreo vendido no Brasil, segundo cálculo da IATA considerando ~100 milhões de passageiros/ano. Embora R$ 1 bilhão seja apenas aproximadamente 2% dos custos totais das companhias aéreas no país, esse montante poderia ser direcionado a investimentos ou redução de tarifas caso a litigiosidade fosse menor.
Reclamações administrativas vs. ações judiciais: Em paralelo aos processos judiciais, os passageiros também recorrem a canais administrativos de reclamação. A ANAC e a plataforma Consumidor.gov.br recebem queixas de usuários buscando solução diretamente com as empresas. Em 2023, a ANAC registrou mais de 86 mil reclamações formais de passageiros. Destes conflitos submetidos à via administrativa, uma parcela foi resolvida sem virar processo – o índice de resolução de demandas via Consumidor.gov chegou a 81,5% em 2023. Ainda assim, muitas reclamações não são solucionadas a contento ou os passageiros nem tentam esses canais, optando por ir direto ao Judiciário. O MPF apontou o desconhecimento ou dificuldade de acesso à plataforma Consumidor.gov.br como um fator para o alto número de ações, pois alguns consumidores não sabem que podem resolver o problema de forma mais simples, sem advogado. Ou seja, há espaço para aumentar a resolução extrajudicial e diminuir a necessidade de processo, mas na prática isso ainda é subutilizado.
Concentração de litigantes e ações repetitivas: Outro dado relevante é que uma pequena parcela de advogados concentra um volume desproporcional de processos, caracterizando um possível esquema profissional de litigância em massa. Um estudo revelou que 20 advogados ou escritórios são responsáveis por 10% de todas as ~400 mil ações contra aéreas no país. Essas “plataformas abutres”, como denomina a ABEAR, usam estratégias de marketing digital para captar passageiros insatisfeitos (ou até passageiros que não tiveram problemas significativos) e os incentivar a processar. Frequentemente, buscam-se acordos rápidos e compra de passagens indenizadas para revenda, num modelo de negócio questionável. Esse fenômeno contribui para inflar as estatísticas, indo além da demanda espontânea dos consumidores. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) têm sido alertados sobre essa prática de advocacia predatória no setor.
Em resumo, os números deixam claro por que o tema preocupa: o Brasil testemunha um crescimento acelerado da judicialização no transporte aéreo, a ponto de bater recordes mundiais e sobrecarregar o Judiciário. Mesmo com melhorias graduais no serviço (índices de pontualidade relativamente bons) e canais alternativos disponíveis, a cultura de recorrer aos tribunais prevalece, alimentada pela expectativa de indenização por danos morais e facilitada pela atuação de profissionais especializados. Trata-se de um círculo vicioso difícil de quebrar: problemas operacionais geram ações; a multiplicação de ações encarece a operação das empresas; esse custo é repassado ao consumidor (passagens mais caras), o que gera mais insatisfação e, potencialmente, novos processos – e assim por diante.
Impactos para o setor aéreo e soluções discutidas para frear a litigiosidade
A judicialização excessiva traz consequências significativas tanto para as companhias aéreas quanto para os passageiros e o mercado em geral. Frente a isso, autoridades, empresas e entidades de defesa do consumidor têm debatido diversas soluções para equilibrar a situação. Vejamos os principais impactos e medidas em discussão:
Custos elevados e efeito nas tarifas: Como mencionado, os gastos das empresas com ações judiciais superam R$ 1 bilhão anuais. Esse valor acaba onerando o custo operacional e, em última instância, encarece as passagens aéreas. Representantes do setor admitem que cada bilhete vendido carrega um “adicional” para cobrir potenciais processos futuros. Ou seja, todos os passageiros pagam a conta, mesmo aqueles que nunca acionaram a Justiça. Em um mercado sensível a preço, isso impacta a demanda e restringe o acesso da população ao transporte aéreo.
Redução de malha e competição: As companhias aéreas alegam que o excesso de processos prejudica a expansão de rotas e a entrada de novas empresas no país. Executivos da ANAC e de associações do setor afirmam que operadoras internacionais evitam o Brasil temendo a litigiosidade e seus custos. Houve casos de empresas estrangeiras que chegaram a suspender operações em rotas brasileiras após terem experiências ruins com ações judiciais e indenizações altas. Mesmo entre as nacionais, cada real gasto em disputas judiciais é um real a menos para investir em novas aeronaves, novas frequências ou melhorias de serviço. Assim, a judicialização torna o mercado brasileiro menos atrativo e menos competitivo, o que mantém as tarifas elevadas (pela falta de concorrência) em mais um círculo vicioso. Autoridades do setor aeroportuário ressaltam que a vinda de novas companhias é travada em parte por essa questão, pois investidores consideram o Brasil um ambiente de risco jurídico desproporcional.
Foco desviado da atividade principal: Do ponto de vista gerencial, as empresas precisam manter grandes departamentos jurídicos ou contratar escritórios para lidar com o volume massivo de processos. São centenas de milhares de ações a monitorar, prazos, audiências em juizados especiais pelo país inteiro, etc. Esse esforço poderia estar sendo direcionado para a melhoria do atendimento ou da operação, mas acaba sendo consumido em contencioso. Em última análise, todos perdem produtividade: as empresas, ocupadas em se defender; o judiciário, abarrotado de casos repetitivos de consumo; e os consumidores, que enfrentam um sistema congestionado (tanto no atendimento das empresas quanto nos tribunais).
Diante desses impactos, buscam-se caminhos para “desjudicializar” ou mitigar o problema. Algumas soluções e iniciativas discutidas ou já em andamento incluem:
Melhoria dos canais de atendimento e resolução rápida de reclamações: Um consenso é que atender bem o cliente desde o início evita processos. A ABEAR reconhece a necessidade de fortalecer os SACs das companhias, com atendimento humano e célere, e de manter o passageiro bem informado sobre seus voos e direitos. Muitos processos nascem da sensação de abandono ou desinformação. Se a empresa oferece assistência adequada durante o atraso (comunicação transparente, vouchers de alimentação, hospedagem, alternativas de reacomodação), o passageiro se sente respeitado e tem menos motivo para buscar o Judiciário. Investir em qualidade do serviço e pós-venda eficiente é uma medida preventiva importante.
Uso de plataformas de conciliação e acordos extrajudiciais: O governo disponibiliza a plataforma Consumidor.gov.br, onde o cliente registra a reclamação e a empresa tem prazo para responder e tentar um acordo. Essa ferramenta tem alta taxa de solução (acima de 80%) e evita o processo judicial. Ampliar o uso do Consumidor.gov e de PROCONs (Procuradorias de Defesa do Consumidor) é o caminho recomendado tanto pelo MPF quanto pela ANAC e entidades de magistrados. O próprio CNJ, em parceria com a ANAC e a Associação de Magistrados (AMB), lançou iniciativas para estimular acordos. Em 2024, firmou-se um acordo de cooperação técnica entre ANAC e AMB para tentar evitar que reclamações virem processos, aprimorando a conciliação nos Juizados Especiais e orientando os passageiros a buscar soluções administrativas primeiro. Mediação e arbitragem também são mencionadas como alternativas – por exemplo, câmaras de mediação especializadas em transporte poderiam intervir em conflitos complexos, reduzindo tempo e custo em comparação ao trâmite judicial convencional. Projetos-piloto de conciliação em disputas aéreas já ocorreram em tribunais como o TJSP, com resultados promissores na redução de litígios.
Educação do consumidor e mudança cultural: Muitos passageiros acionam a Justiça por desconhecer canais mais simples. Assim, campanhas de conscientização são cruciais. O CNJ lançou a “Cartilha Digital do Transporte Aéreo” explicando direitos e deveres, justamente para informar melhor os passageiros e evitar conflitos desnecessários. Entidades de defesa do consumidor, como a PROTESTE, apoiam iniciativas de conciliação e destacam que a cultura litigiosa nasceu da ideia (correta, em parte) de que “é preciso lutar pelos seus direitos”. Agora, porém, busca-se mostrar que é possível garantir os direitos de forma mais ágil e colaborativa do que judicializando tudo. Isso envolve também educar influenciadores e mídias sociais, que às vezes estimulam passageiros a procurar advogados a todo instante. A informação clara pode reverter a percepção de que só através de processo judicial se obtém resultado.
Atuação contra a litigância predatória: As companhias aéreas têm levado ao conhecimento da OAB casos de advogados e sites que fomentam ações em massa, muitas vezes captando clientela de forma antiética (oferecendo dinheiro rápido, por exemplo). Combater esses abusos é essencial. A OAB pode punir a publicidade irregular e a captação indevida de clientes, coibindo a atuação dos chamados “sites abutres”. O objetivo não é tolher o direito do passageiro de buscar a Justiça, mas garantir que isso ocorra somente quando necessário e de forma ética. A ABEAR defende maior rigor contra a cessão de direitos de passagens indenizadas para terceiros (há casos de escritórios que, ao ganhar a passagem de compensação, revendiam os trechos, lucrando duplamente). Cortar as brechas para monetização dessas ações pode desestimular quem explora o sistema.
Harmonização da jurisprudência e possíveis reformas legais: Conforme visto, o STJ tem emitido precedentes importantes. Divulgar essas decisões para os juízes de primeira instância é fundamental para evitar julgamentos conflitantes. A AMB sugere compilar os casos mais recorrentes e como vêm sendo decididos, para orientar magistrados em todo o país. Além disso, discute-se no Congresso a possibilidade de alterações legislativas pontuais: por exemplo, incluir na lei que o dano moral em transporte aéreo não será presumido, exigindo prova do abalo (consolidando o entendimento do STJ). Outra ideia é exigir a chamada “pretensão resistida” antes de judicializar – isto é, o passageiro teria que primeiro tentar um acordo/solução administrativa e somente poderia processar se a empresa recusasse ou não respondesse. Essa etapa obrigatória filtraria muitos casos. Também se cogita rever a Resolução 400 da ANAC (que regula direitos e deveres no caso de atrasos, cancelamentos e bagagens) para atualizá-la, talvez alinhando mais aos padrões internacionais e deixando de forma mais clara as compensações cabíveis. Reformas desse tipo poderiam pacificar entendimentos e reduzir a sensação de “loteria judicial” (onde vale a pena processar para ver o quanto se ganha).
Outra possibilidade promissora para mitigar a escalada de judicialização no setor aéreo brasileiro é a aplicação dos princípios da Justiça Restaurativa. Embora tradicionalmente associada ao campo penal, a Justiça Restaurativa tem se mostrado eficaz como modelo alternativo de resolução de conflitos, ao promover o diálogo direto entre as partes, a escuta ativa, a responsabilização voluntária e a busca conjunta por soluções. Em vez da imposição de uma pena ou condenação, esse modelo foca na reparação do dano e na restauração das relações afetadas, o que pode ser extremamente valioso em conflitos entre passageiros e companhias aéreas. A experiência descrita na dissertação de Joanice Maria Guimarães de Jesus mostra que, mesmo em situações de tensão e frustração, é possível alcançar resultados satisfatórios por meio de círculos restaurativos e mediações facilitadas, que valorizam a participação das partes envolvidas e evitam a via litigiosa tradicional. No contexto do transporte aéreo, a adoção de núcleos de mediação inspirados nesse paradigma poderia reduzir o número de processos, acelerar a resolução dos problemas e restabelecer a confiança entre consumidores e empresas. Além disso, a metodologia restaurativa favorece soluções mais humanizadas e eficazes, promovendo um ambiente de cooperação em vez de confronto sistemático.
Equilíbrio entre a proteção do consumidor e segurança jurídica às empresas: Por fim, uma mudança de paradigma passa por aplicar de forma mais consistente a legislação específica do setor aéreo e os acordos internacionais. Advogados apontam que as regras existem e são suficientes, porém na prática muitas vezes não são observadas pela Justiça brasileira. Isso gera desequilíbrio em relação a outros países. Aplicar os limites da Convenção de Montreal, por exemplo, e seguir padrões objetivos para indenizações, colocaria o Brasil em igualdade de condições competitivas com o mercado global. Ao mesmo tempo, é preciso não retroceder na proteção ao passageiro – afinal, muitos processos refletem problemas reais de serviço que merecem atenção. O desafio é buscar um meio-termo, onde o passageiro tenha seus direitos garantidos (voar com segurança, chegar ao destino ou ser reembolsado, receber assistência em imprevistos, ser compensado quando há prejuízo de fato), sem que isso se transforme automaticamente em um pleito judicial a cada inconveniente.
Considerações
Em conclusão, a situação brasileira – com um número astronômico de processos de passageiros contra companhias aéreas – é resultado de uma combinação de fatores: problemas operacionais, cultura de defesa do consumidor, facilidade de acesso à Justiça e até oportunismo jurídico. Esse cenário acarreta custos e distorções para o setor aéreo e para os próprios usuários.
Entretanto, já estão em curso debates e iniciativas para reverter esse quadro, apostando em mais conciliação, melhor serviço e alinhamento das regras às práticas internacionais. Se bem-sucedidas, essas medidas poderão beneficiar tanto os passageiros (que terão soluções mais rápidas e possivelmente passagens mais baratas) quanto as empresas e o judiciário, trazendo o Brasil para um patamar mais equilibrado em comparação ao resto do mundo no tocante aos conflitos entre passageiros e linhas aéreas.
O tema envolve encontrar o equilíbrio justo: nem deixar o consumidor desamparado, nem inviabilizar a atividade aérea com uma litigiosidade autodestrutiva. Como concluiu a pesquisadora e desembargadora Dra. Joanice Maria Guimarães, “é importante prestigiar os meios autocompositivos de resolução de conflitos, com a realização de atividades pré-processuais, especialmente, a conciliação e a mediação, em busca de formas mais eficientes de acesso à Justiça” — o que, no contexto da aviação, representa um caminho promissor para reduzir o volume de ações judiciais, promover soluções mais ágeis e satisfatórias para os passageiros, e restabelecer a confiança entre empresas e consumidores, sem sobrecarregar o sistema judicial.
Referências Bibliográficas
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Sobre o autor:
Antônio Lourenço Guimarães de Jesus Paiva
Pai da Helena
Diretor da Flylines
Graduado em Aviação Civil pela Universidade Anhembi Morumbi
Especialista em Planejamento e Gestão Aeroportuária pela Universidade Anhembi Morumbi
Especialista em Gestão de Marketing pela Universidade de São Paulo
Especialista em Data Science e Analytics pela Universidade de São Paulo