Os 3 principais indicadores de desempenho de uma malha aérea
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Profissionais de aviação, especialmente planejadores de malha, analistas e gestores operacionais, monitoram de perto certos indicadores-chave para avaliar e otimizar o desempenho da malha aérea (rede de rotas) de uma companhia. Entre os diversos KPIs (Key Performance Indicators) possíveis, três indicadores se destacam pela relevância: rentabilidade, taxa de ocupação das aeronaves e um terceiro indicador que abordaremos adiante – o yield (rendimento médio por passageiro). Neste artigo, explicaremos cada um desses indicadores, sua importância, como são calculados e exemplos reais de seus empregos em companhias aéreas (LATAM, Azul, Gol, Delta, Ryanair). Também mostraremos como essas métricas orientam decisões estratégicas na gestão de malha, dentro do contexto de mercado e tendências atuais da aviação civil.
Rentabilidade: o indicador máximo de sucesso financeiro
A rentabilidade mede o quanto a operação da malha aérea é lucrativa. Em última instância, voos e rotas existem para gerar lucro; portanto, este é um indicador fundamental. A rentabilidade pode ser avaliada em diferentes níveis – por rota, por aeronave, por região ou no agregado da empresa. Geralmente expressa-se em termos de margem de lucro (percentual da receita que se converte em lucro) ou lucro operacional por assento disponível. Por exemplo, a LATAM Airlines Group reportou em 2023 um lucro líquido de US$ 582 milhões, com margem operacional ajustada de 11,3%, indicando uma recuperação significativa após os prejuízos da pandemia.
Mas como a rentabilidade é calculada? A forma mais simples é: receita total menos custos totais. Para uma rota específica, calcula-se a receita gerada pelos passageiros e cargas daquele voo e subtrai-se todos os custos alocados (combustível, tripulação, taxas aeroportuárias, manutenção, etc.). O resultado pode ser comparado à capacidade oferecida (por exemplo, lucro por Assento-Quilômetro Oferecido) ou à receita (margem). Outro método comum é comparar RASK vs. CASK – isto é, receita por assento-quilômetro vs. custo por assento-quilômetro – se a RASK excede a CASK, a operação é lucrativa. Esses indicadores ajudam a identificar a breakeven load factor (fator de ocupação de equilíbrio): porcentagem de ocupação necessária para cobrir os custos, dada certa receita média por passageiro.
Por que é importante? A rentabilidade indica a sustentabilidade financeira da malha aérea. Manter rotas deficitárias por muito tempo pode comprometer a empresa, enquanto rotas altamente rentáveis sustentam crescimento e investimentos (em novas aeronaves, por exemplo). Após anos difíceis, o setor aéreo global voltou a lucrar em 2023, porém com margens apertadas – cerca de 3% de margem líquida global segundo a IATA. Isso equivale a apenas US$ 6,14 de lucro por passageiro, destacando quão competitivo é o negócio aéreo. Nesse cenário, companhias como a Ryanair se sobressaem: no ano fiscal 2022/23 a low-cost europeia teve lucro pós-impostos recorde de €1,43 bi, transportando 168,6 milhões de passageiros. Esse resultado foi impulsionado por uma combinação de retomada da demanda e excelente ocupação, como veremos a seguir.
Decisões orientadas pela rentabilidade: As empresas aéreas utilizam análises de rentabilidade para otimizar a malha. Por exemplo, rotas consistentemente não lucrativas podem ser canceladas ou reduzidas, liberando aeronaves para mercados mais promissores. Foi o que muitas empresas fizeram no pós-pandemia: concentraram capacidade operacional nas rotas de maior demanda e rendimento. Por outro lado, rotas lucrativas podem receber aumento de frequências ou aviões maiores. A estratégia de hubs (conectar passageiros via um centro) também é avaliada pelo prisma do lucro incremental que conexões trazem. Em resumo, a rentabilidade serve de bússola para decisões estratégicas – nenhuma companhia quer “queimar querosene” sem retorno financeiro.
Taxa de ocupação: eficiência no aproveitamento de assentos
A taxa de ocupação – também conhecida como load factor – indica quão cheios estão os voos. É calculada dividindo-se o total de assentos-quilômetro ocupados (RPK, passageiros pagantes vezes quilômetros voados) pelo total de assentos-quilômetro ofertados (ASK). Em termos mais simples, se uma aeronave tem 100 assentos e voa 1000 km (100,000 assentos-km oferecidos) mas vendeu 80 assentos (80,000 assentos-km pagos), sua taxa de ocupação foi de 80%. Esse indicador reflete a eficiência com que a companhia aérea utiliza sua capacidade de operação.
Importância: Aviões são ativos caros e os custos de uma operação (especialmente combustível, manutenção e pessoal) pouco variam com o número de passageiros a bordo. Portanto, quanto mais assentos ocupados, maior a diluição dos custos fixos por passageiro – melhorando a rentabilidade. Uma alta ocupação normalmente aponta forte demanda ou boa gestão de capacidade (adequação de frequência e tamanho da aeronave à procura). Não à toa, muitas empresas citam o load factor como principal indicador não financeiro de gestão.
Por exemplo, Gol Linhas Aéreas atingiu em 2023 uma taxa de ocupação média de 82% em seus voos, 2 pontos percentuais acima de 2022, transportando 30,9 milhões de passageiros no ano. Já sua concorrente Azul fechou 2023 com cerca de 80% de ocupação média. Internacionalmente, a Ryanair é referência: no verão de 2023 seus voos estavam 93–94% cheios, um salto enorme comparado aos 82% durante a crise de 2020/21. Globalmente, a taxa média de ocupação deve rondar 82,5% em 2024, voltando aos níveis pré-pandemia.
Tendências e exemplos atuais: Nos últimos anos, mesmo enfrentando alta nos combustíveis e inflação de custos, as companhias têm conseguido manter ocupações elevadas graças à recuperação da demanda. Apesar de tarifas mais altas em muitos mercados (para compensar o aumento dos custos), os aviões seguem cheios – sinal de uma demanda resiliente. Essa eficiência é vital: a IATA destaca que uma forte ocupação de passageiros (próxima de 84%) aliada a rendimentos robustos dá suporte direto ao crescimento da receita e à lucratividade operacional das empresas. Em outras palavras, quando o avião decola lotado e com boas tarifas, o caixa da empresa costuma sorrir.
Decisões orientadas pela ocupação das aeronaves: O load factor guia inúmeras decisões táticas e estratégicas. Se uma rota apresenta ocupação cronicamente baixa, a companhia pode reduzir a oferta – seja trocando por um avião menor ou diminuindo a frequência – até equilibrar oferta e demanda. Alternativamente, esforços de marketing e ajuste de tarifas podem estimular mais passageiros a fim de elevar a ocupação. Por outro lado, ocupações altíssimas (próximas de 100%) indicam oportunidade de expansão: a empresa pode aumentar frequências ou aplicar yield management para elevar preços, capturando mais receita por assento (afinal, se quase todos os assentos vendem com facilidade, há espaço para cobrar mais por eles). Network planners frequentemente redistribuem capacidade entre rotas conforme as taxas de ocupação e margens: tiram assentos de mercados ociosos e os realocam para aonde há aviões cheios e lista de espera. Assim, a malha aérea vai se otimizando dinamicamente para aproveitar ao máximo cada assento disponível.
Yield: quanto cada km voado gera de receita
O terceiro indicador essencial que iremos apresentar é o yield, ou rendimento médio por passageiro. Enquanto a ocupação trata da quantidade de passageiros, o yield trata de qualidade da receita obtida de cada passageiro. Tecnicamente, yield é a receita de passageiros dividida pelos RPKs – em outras palavras, quanto dinheiro a companhia ganha por passageiro por quilômetro voado. Se a tarifa média paga para voar 1.000 km é R$ 500, o yield dessa operação foi R$ 0,50 por passageiro-quilômetro. Podemos pensar no yield como o preço médio pago por assento ocupado em determinada rota ou período.
Importância: Yield reflete política de preços, segmentação de mercado e valor percebido da malha. Uma companhia pode voar com aviões lotados, mas se os bilhetes forem baratos demais, a receita talvez não cubra os custos. Por isso, yield e ocupação se complementam: o equilíbrio entre ambos é a chave da rentabilidade. Empresas full-service (legacy) tendem a buscar yields maiores mediante serviços diferenciados e rotas de negócios (por exemplo, a Delta Air Lines obtém yields elevados em rotas internacionais premium), enquanto low-cost carriers aceitam yield menor compensando no volume e receitas auxiliares como bagagens, vendas a bordo, etc. No Brasil, por exemplo, no 2º trimestre de 2023 a Azul e a Gol apresentaram ocupações próximas (80% vs 77%), mas a Gol optou por uma estratégia de preços um pouco mais agressiva, o que resultou em yield ~11% maior que o da Azul naquele período. Ou seja, a Gol vendeu um pouco menos de assentos, porém a uma tarifa média mais alta. Em termos práticos, tarifa/km voado das duas ficou em torno de R$0,46–0,48 (46-48 centavos) por passageiro-quilômetro. Esses números mostram como pequenos ajustes de preço impactam a receita unitária.
Tendências: Após a pandemia, observamos em muitos mercados um aumento do yield médio devido à forte demanda combinada à oferta ainda em recuperação – o famoso “efeito da demanda reprimida” elevando preços. Nos EUA e Europa, 2022-2023 tiveram tarifas aéreas mais altas que o normal em rotas concorridas, ajudando as aéreas a recuperar fluxo de caixa. Entretanto, em termos reais (ajustados à inflação), a tarifa média global em 2024 (US$ 252 ida e volta) ainda está abaixo do nível de 2019 (US$ 306), indicando que a competição e a necessidade de estimular passageiros mantêm os preços controlados no longo prazo.
O yield, portanto, oscila conforme a conjuntura econômica e o poder de precificação das empresas. Companhias como a Ryanair e outras low-cost conquistaram mercado justamente por reduzir yields e estimular demanda, enquanto grupos como LATAM, Lufthansa ou Emirates focam em equilibrar ocupação e yield, muitas vezes preferindo ganhar mais por passageiro mesmo que nem todos os assentos estejam ocupados (especialmente nas classes premium).
Decisões orientadas pelo yield: A gestão de malha e receitas (revenue management) usa o yield como farol para precificação e mix de rotas. Se determinado destino oferece yield muito baixo (por exemplo, rotas ultra-competitivas nas quais o preço despenca), a empresa pode realocar aviões para mercados de yield melhor. Alternativamente, pode tentar diferenciar o produto naquela rota (melhorar horário, serviço ou conexões) para justificar tarifas maiores. Em rotas de alto yield (ex.: destinos de negócios ou turísticos exclusivos), aceita-se até voar com ocupação um pouco menor, desde que as tarifas pagas compensam – um voo a 70% de ocupação pode ser mais lucrativo que outro a 90% se o primeiro tiver passageiros pagando bem mais.
Além disso, monitorar o yield ajuda nas decisões de abertura de novas rotas: antes de iniciar um voo, projeta-se não só a demanda de passageiros, mas quanto esses passageiros estariam dispostos a pagar em média. Estratégias como overbooking calculado e alocação de assentos entre classes tarifárias dependem da estimativa de yield para maximizar a receita total do voo. Em resumo, o yield guia onde e como a companhia pode ganhar mais dinheiro por assento, complementando a visão dada pela taxa de ocupação.
Otimizando a malha com os indicadores e com o contexto de mercado
Os três indicadores – rentabilidade, ocupação e yield – formam um tripé de desempenho da malha aérea. Eles estão inter-relacionados: a rentabilidade resulta da combinação de ocupação x yield menos os custos. No dia a dia, as companhias aéreas equilibram esses fatores para tomar decisões estratégicas.
Um exemplo clássico é o ajuste pós-pandemia: em 2022-2023, muitas aéreas reduziram ou encerraram rotas de baixo desempenho (ocupação fraca e baixa rentabilidade) e concentraram recursos em rotas de alta demanda e maior retorno. Ao mesmo tempo, ampliaram oferta gradualmente onde a ocupação estava alta, porém também aproveitando para elevar yields onde o mercado permitia, recuperando parte das perdas sofridas. No contexto atual da aviação comercial, tendências de mercado influenciam esses indicadores de forma significativa. A demanda global de passageiros vem crescendo cerca de 7% em RPK ao ano na retomada, levando ocupações de volta a patamares robustos (80%+).
O custo do combustível, contudo, permanece um fator de pressão – exigindo atenção constante à rentabilidade e estimulando a renovação de frota por modelos mais eficientes (menor CASK). O dólar alto e a inflação afetam custos e podem encarecer passagens, testando o limite do yield que os clientes aceitam pagar. Além disso, mudanças no mix de passageiros (menos executivos diariamente, mais lazer e viagens “blesiure”) levam as áreas de planejamento a repensar a malha: talvez menos frequências em rotas tradicionais de negócios, e mais voos para destinos de lazer, ajustando os yields, consequentemente.
Empresas que conseguem excelência nesses indicadores tendem a se destacar. Por exemplo, a Delta Air Lines é reconhecida por equilibrar bem seu yield premium (graças a passageiros corporativos e produtos como Delta One) com alta ocupação e confiabilidade, obtendo margens sólidas. No Brasil, Azul e Gol disputam mercado combinando estratégias: Azul investe em mercados regionais exclusivos (yield relativamente alto, embora ocupação possa variar) enquanto Gol maximiza utilização de sua frota Boeing 737 em rotas de volume (buscando altíssima ocupação com custos baixos). Já a LATAM, após reestruturação, foca em recuperar margens e usar sua presença internacional para impulsionar yield, ao mesmo tempo em que mantém ocupações saudáveis em rotas domésticas chave.
Considerações
A malha aérea é o coração da operação de uma companhia aérea — e os indicadores de desempenho são os batimentos que revelam a sua saúde. Rentabilidade, taxa de ocupação e yield não apenas mostram se os voos estão cheios ou se as tarifas estão boas; eles revelam como a empresa está se posicionando estrategicamente no mercado, em quais pontos há oportunidades de crescimento e em quais ajustes são necessários.
Esses três indicadores se complementam: enquanto a taxa de ocupação revela o aproveitamento da capacidade, o yield mostra o valor que cada passageiro traz, e a rentabilidade sintetiza tudo isso em termos financeiros. Quando analisados em conjunto, eles oferecem uma visão robusta e disponível para redesenhar rotas, alocar frotas, precificar de forma inteligente e maximizar o retorno sobre cada quilômetro voado.
Em um setor de margens apertadas, custos voláteis e alta competitividade, entender esses indicadores — e principalmente agir sobre eles com agilidade e inteligência — é o que diferencia companhias aéreas que apenas voam, daquelas que realmente prosperam.
Referências Bibliográficas
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VOE AZUL. Yield da Azul e desempenho de passageiros no 2T23. Publicado em: 15 ago. 2023. Disponível em: https://www.aeroin.net. Acesso em: abr. 2025.
Sobre o autor:
Antônio Lourenço Guimarães de Jesus Paiva
Pai da Helena
Diretor da Flylines
Graduado em Aviação Civil pela Universidade Anhembi Morumbi
Especialista em Planejamento e Gestão Aeroportuária pela Universidade Anhembi Morumbi
Especialista em Gestão de Marketing pela Universidade de São Paulo
Especialista em Data Science e Analytics pela Universidade de São Paulo