Bagagens danificadas: de quem é a culpa e o que pode ser feito?


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Imagine a cena: você esperando na esteira do aeroporto, rezando para reconhecer sua mala inteira. Então lá vem ela – arranhada, amassada e quebrada, parecendo que travou uma batalha no porão da aeronave. Infelizmente, esse cenário virou muito mais comum do que o aceitável. Desabafos de passageiros indignados com bagagens destruídas pipocam nas redes sociais, todos os dias. Vídeos de bastidores também alimentam a revolta. Imagens flagram malas sendo arremessadas sem dó nos aeroportos. Em um caso viral, alguns funcionários foram filmados jogando bagagens no carrinho durante o desembarque, gerando milhões de visualizações e críticas dos viajantes . Muita gente, porém, nem se surpreende – há quem já nem espere mais cuidado e evite despachar as bagagens. Dados globais confirmam a frequência do problema: os incidentes de bagagem danificada ou violada saltaram para cerca de 18% dos casos registrados em 2024 (ou, aproximadamente, 6 milhões de bagagens). No artigo de hoje, abordaremos as causas, as consequências e, principalmente, as medidas que podem ser adotas pelas companhias para reduzir a recorrência dos danos nas bagagens dos passageiros, por isso, fique conosco até o final.

De quem é a culpa pela bagagem estragada?

Quando sua valise aparece destruída, a reação imediata é procurar um culpado. Seria o funcionário do aeroporto que tratou sua Samsonite como um saco de batatas? Ou a companhia aérea, que talvez pressione a equipe a trabalhar rápido demais? No fim das contas, legalmente a responsabilidade é da companhia – ela deve indenizar ou consertar sua mala se houver dano durante a viagem. Mas na prática, a culpa é compartilhada por um sistema inteiro.

As empresas aéreas quase sempre terceirizam o manuseio de bagagem para os operadores de solo. Esses trabalhadores lidam com centenas de volumes pesados sob tempo contado. Se a conexão do voo é apertada, as malas literalmente voam de um carrinho a outro para não perder o próximo avião. Some-se a isso equipamentos nem sempre modernos e falhas operacionais. Não é exagero dizer que a mala passa por uma verdadeira pista de obstáculos: esteiras, porões de aeronave, e mãos humanas nem sempre cuidadosas. Se em algum ponto do percurso alguém estiver com pressa ou descuido, é a bagagem do passageiro que paga o pato.

Muitos danos ocorrem nas transferências entre voos – na correria das conexões. De fato, falhas no manuseio durante escalas respondem pela maior parte dos problemas com bagagem. Ou seja, não é (só) má vontade: às vezes é o workflow frenético que sacrifica as coitadas das malas.

Claro, também há casos de descaso puro. Funcionários que poderiam maneirar, mas não o fazem. Aí entra a responsabilidade da empresa em treinar e fiscalizar. Se um colaborador “chuta o balde” – ou melhor, a mala – por descuido ou desleixo, cabe à companhia corrigi-lo (e ao passageiro reclamar e exigir reparação).

Mas como exigir reparação?

  1. Avise imediatamente no desembarque. Vá ao balcão da companhia e abra um RIB/PIR (Relatório de Irregularidade de Bagagem) e guarde sempre uma cópia do protocolo.

  2. Documente o dano. Fotografe a mala (por fora e por dentro), a etiqueta de despacho e o cartão de embarque. Guarde notas fiscais de conserto/compra.

  3. Respeite o prazo legal. Você tem até 7 dias corridos após receber a bagagem para formalizar a reclamação por escrito à companhia (vale e-mail, formulário ou portal). Em voos internacionais, esse mesmo prazo de 7 dias decorre da Convenção de Montreal.

  4. Peça a solução adequada. A empresa deve consertar, substituir por equivalente ou indenizar. Registre, por escrito, qual opção foi oferecida e os prazos.

  5. Acompanhe e escale se necessário. Se não resolver, registre queixa no Consumidor.gov.br e acione a ANAC (163). Persistindo, considere o Juizado Especial Cível com seus comprovantes.

Lá fora, malas VIP: lições da Ásia

Enquanto aqui sofremos com malas quebradas, em alguns lugares as bagagens são tratadas quase como VIP. No Japão e em partes da Ásia, há exemplos inspiradores de cuidado. Um vídeo recente filmado no aeroporto de Tóquio viralizou ao mostrar funcionários manuseando malas com delicadeza – alinhando cada bagagem e colocando na esteira com todo cuidado e nada de arremessos. A cena contrasta com o padrão bruto de outros locais e rendeu aplausos online; muita gente pediu que esse respeito vire padrão no mundo todo.

Não é só na internet. No Japão, o trato à bagagem é praticamente política de Estado. O Aeroporto Internacional de Kansai, em Osaka, alcançou um feito impressionante: 30 anos sem uma única mala extraviada ou danificada desde 1994. Como? Nada de mágico – apenas processo bem feito. Equipes operam em pequenos grupos de 2–3 pessoas por avião, seguindo um manual detalhado de procedimentos. Se percebem qualquer mala faltando, fazem busca imediata. A eficiência é tanta que há toques de capricho: cada mala é colocada na esteira com a alça voltada para fora, facilitando a vida do dono na hora de puxar.

Outros países asiáticos também se destacam no quesito bagagem. Coreia do Sul, Singapura, China... viajantes relatam experiências positivas em lugares com mais organização e respeito pelos pertences. Até a Cathay Pacific, de Hong Kong, teve que se desculpar publicamente após uma funcionária ser filmada jogando malas escada abaixo – a trabalhadora foi suspensa imediatamente. A diferença é que, por lá, esses deslizes são exceção e geram resposta rápida, enquanto por aqui acabam parecendo rotina.

O que pode ser feito? – Soluções de bom senso

Como melhorar esse quadro (sem precisar embrulhar a mala em plástico-bolha a cada viagem)? A boa notícia é que existem medidas viáveis – e muitas já estão no radar do setor. Algumas soluções para diminuir a “mortalidade” das malas despachadas incluem:

  • Treinamento e cultura de cuidado: Promover uma cultura de respeito à bagagem do cliente. Isso envolve treinar funcionários para manusear volumes com atenção (mesmo quando ninguém estiver olhando) e valorizar o trabalho bem feito. No Japão, vimos que até o carregador de malas tem orgulho do que faz – e isso se reflete no zelo. Que tal premiar as equipes com zero ocorrências de dano?

  • Melhores condições de trabalho: Muitos estragos acontecem por pressa e cansaço. Se as equipes de solo tiverem pessoal suficiente e tempo adequado, diminui a tentação de arremessar malas às pressas. Contratar ajuda extra nos horários de pico ou ajustar conexões muito apertadas são medidas que reduzem o “lança-mala” involuntário.

  • Tecnologia e automação: Modernizar sistemas de bagagens ajuda a minimizar erros. Esteiras inteligentes, sensores e robôs podem transportar volumes com mais suavidade e rastrear cada item. Já há aeroportos usando rastreamento em tempo real e despacho automático de malas, o que aumenta a confiabilidade do processo. A automação também limita a interferência humana – e máquinas não têm dias ruins.

  • Fiscalização e responsabilização: Monitorar e coibir abusos. Câmeras nas áreas de carga, supervisores mais atentos e canais para denúncias internas podem inibir maus-tratos. Se ainda assim ocorrer um flagra (viral ou não), a empresa deve agir rápido – admitir a falha e corrigir o erro. Transparência e ação imediata ajudam a reconquistar a confiança do público.

Por fim, vale lembrar o básico: os direitos do passageiro. Se apesar de tudo sua mala chegar quebrada, não engula o prejuízo e exija seus direitos.

Considerações

Se colocarmos tudo na mesma esteira: danos de bagagem não são um “azar” isolado. Eles nascem de uma cadeia operacional com pressões de tempo, conexões apertadas, gaps de treinamento e infraestrutura ruim. Do ponto de vista do passageiro, a companhia é responsável por reparar/indenizar. Do ponto de vista de quem planeja malha e operações, o problema é sistêmico — e, portanto, solucionável.

A experiência asiática mostra o caminho: processos padronizados, cultura de cuidado e supervisão ativa reduzem drasticamente avarias. Quando equipes pequenas seguem um manual claro, contam com janelas operacionais realistas e têm orgulho do que fazem, a mala deixa de “voar” para fora da aeronave. Isso é gestão — não milagre.

Para companhias e áreas de planejamento de malha, a lição prática é integrar o tema “bagagem” às decisões de rede e de solo. Em suma: menos improviso, mais desenho operacional. Quem ajusta bancos de conexões, calibra turnarounds e amarra SLAs com o “chão de fábrica” reduz custos ocultos (indenizações, NPS baixo, retrabalho), melhora a pontualidade e protege a experiência do cliente. O Japão comprova que é possível. O Brasil não precisa reinventar a roda — precisa apenas planejar a roda, medir o seu giro e cobrar quando ela sair do eixo.


Referências bibliográficas
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Sobre o autor: 
Antônio Lourenço Guimarães de Jesus Paiva 
Pai da Helena
Diretor da Flylines 
Graduado em Aviação Civil pela Universidade Anhembi Morumbi
Especialista em Planejamento e Gestão Aeroportuária pela Universidade Anhembi Morumbi
Especialista em Gestão de Marketing pela Universidade de São Paulo
Especialista em Data Science e Analytics pela Universidade de São Paulo
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